o céu partido ao meio, no meio da tarde.

domingo, 10 de julho de 2011

carta ao Amor

"Nem bateu, nem pediu: entrou! Sem permisso, sem vergonha, sem sentido."
Foi o último que escutei sair da boca dele. Agora tão calado, tão encolhido, com um sorriso de canto cantando um silêncio. Cantando uma falta de voz, sabe? Aquela falta de som que não incomoda a gente, que não constrange. Cantava e eu ouvia.
Aliás, não sei bem o porquê, mas era lindo. Era bom estar ali. Era tremendamente simples, nada de muita coisa. Era um mínimo que me fazia bem, muito bem.
Nunca irei entender a razão disso, de eu estar ali do lado dele o tempo todo. Encoberto, agachado, olhando fixo a outra metade do quarto e escutando aquilo que não se escutava. A canção cantada de dentro que nem precisava ser transmitida por ruídos. Aquele silêncio... Ai, que silêncio maravilhoso!
Escondido atrás de cada nota de vazio estava algo. Nunca consegui reconhecer o que era, mas ali eu encontrava conforto. Eu ria! Um riso suave que também não se escutava, que ia escorria da minha boca até os joelhos dele onde sua cabeça estava apoiada.
Me apeguei, me inseri, me viciei! Se quer saber. Era tudo de uma ingenuidade tão imensa, tão aprazível que eu já não podia viver sem... E ali eu repousava: calmo, seguro, à espera da canção que entoava existência, sem ao menos ser ouvida.
Se eu soubesse que era você o tempo todo... Teu senso de humor ainda continua bem forte, não? Pelo jeito você continua por aí, com essa tua sutilidade, transformando até mesmo o mais fútil em o mais agradável dos momentos. Como eu não pude te descobrir? A verdade é que eu te imaginava completamente diferente. Nunca pensei que você, sendo assim tão citado, seria assim tão-tão simples. Agora entendo porque me sinto bem naquele cantinho de sala, alcançando o inalcançável, singelo, simples, feliz.
Você é o culpado, e é por isso que te escrevo essa carta. Te escrevo em forma de agradecimento: agradeço por ele, que já não ousa dizer mais nada, como precaução para que você não se assuste. Agradeço pela visita que você faz todos os dias, logo quando ele desperta, logo quando eu me desperto e vejo tua sombra na janela, esperando pra pousar suave em meu ombro.
E assim eu passo todos os meus dias. Rindo o riso dele, ouvindo o inaudível, imóvel, lado a lado, o peito fervendo e o coração desfrutando. Desfrutando você, Amor, que veio repentino. Nem bateu, nem pediu: entrou! Sem permisso, sem vergonha, sem sentido. Me tornando cúmplice e servo teu. Todos os dias: encoberto, agachado, olhando fixo a outra metade do quarto, com a cabeça dele nos joelhos e você, Amor, pousado em meus ombros.

F;

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