o céu partido ao meio, no meio da tarde.

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Boneca nova e fruta

Eu te amando de longe e o tonto coração fugindo do peito. Nas madrugadas a tua presença me urge, dilacera a alma, corrói os órgãos. A tua falta é um vírus que me consome e eu, sorrindo, entrego-me a esse estado. Eu morro toda vez que te penso: antes de obrigar meus olhos a descansarem e depois, quando renasço na manhã, e te busco na cama vazia. Me encharco de frio ao ouvir as aves que cantam rompendo o silêncio, mas que insistem em não trazê-lo. A minha oração é sempre a mesma: faz-me tê-lo de novo; faz-me despertar a quilômetros daqui, onde a respiração ofegante enche as minhas bochechas de rosado e elimina a minha sede, no suor do nosso encontro. Teus odores de boneca nova e fruta me acariciam o ego e aumentam os meus volumes. Tua mão desproporcional envolve todo desejo no punho, me habilita a estremecer e, com os olhos vidrados, gozar da felicidade que é nossa. Eu juro que é nossa. As árvores sem cor me contaram. O sol que bate tímido nos vinhedos é um sinal. Nem questiono. Nem te questiono. Não tenho resposta, mas eu sei que é. E sei que as flores que riem tolas no asfalto são sinceras. Sei que aquele senhor que vaga enquanto outros dormem, jogando fora os restos de comida e acariciando aquele cachorro, são provas indiscutíveis. E quando a noite, insistente e perfumada, resolve dançar sob minha roupa, sei que é a tua língua potente endurecendo-me os mamilos. Sei que a luz amarela dos postes revela os teus cabelos enredados em minhas mãos. Eu sou teu e nem de mim sou. Decido repousar em ti a saudade. Eu sou teu e não sabia. Mas a cidade pequena soube. Os carros estacionados desordenadamente souberam. Os cintilantes dos topos das casas tiram sarro da minha dúvida e, desafiando-me, agregam: - Está dentro. Eu nem sabia que havia interior. Na verdade eu sabia, mas não imaginava que existisse coisa além de muros, bestas e eco. Tudo isso rebateu. E forçou-me um brado, como se me tivesses exorcizado e, sem outra alternativa, algum demônio meu houvesse escalado as entranhas e se liberado no ar escuro. A noite é a pupila dos teu olhos. O meu canto é o esforço de sentir o cheiro que exalo quando te toco. 
Meus gestos já não sabem mover-se senão através da linha do teu corpo. 
E os meus lábios já tão cansados
não sabem dizer palavra alguma. 
Somente brincam e se arriscam,
feito as folhas que caem,
a balbucear:
vem 
para
mim. 

F;

Nenhum comentário: